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Quaisquer dúvidas sobre a determinação dos catalães em ter uma palavra a dizer sobre o seu futuro coletivo deveriam ter-se dissipado com a manifestação de 11 de setembro em Barcelona. Ano após ano, centenas de milhares de pessoas têm saído à rua para reivindicar o direito de decidir o estatuto político da sua Nação, e os representantes por elas eleitos têm trabalhado para lhes facultar essa oportunidade. Com esse propósito, foi convocado para o dia 1 de outubro um referendo sobre a independência. Hoje tudo indica que a votação terá lugar, mesmo enfrentando a oposição da Espanha e apesar de todos os esforços para a impedir.
Idealmente, deveria ser uma votação oficialmente promulgada e legalmente vinculativa, como as que tiveram lugar no Québec e na Escócia, e muitos observadores internacionais ainda não conseguem perceber a postura intransigente do governo espanhol. Autorizar o referendo, envolver-se na sua preparação e fazer campanha contra a independência seria a atuação mais razoável, e provavelmente a mais produtiva. O presidente catalão Puigdemont tem declarado repetidamente a predisposição do seu governo para chegar a um entendimento sobre os termos que tornassem isso possível, incluindo uma data alternativa e uma questão acordada. No entanto, ainda há espaço de manobra. Uma mudança de estratégia por parte de Madrid, como sugerido por terceiros, não é provável com o processo já tão adiantado; no entanto ainda poderia ser a opção menos onerosa, quanto mais não fosse porque as autoridades estatais terão muita dificuldade em gorar o plano catalão sem recorrer a métodos coercivos que se virariam contra elas próprias.
A maioria dos catalães espera que, apesar de todas as dificuldades previsíveis, o 1º de outubro seja um dia de votação pacífico, seja porque o governo espanhol tenha levantado a sua oposição ou porque tenha optado por ignorá-la. Uma coisa é certa: vai-se sair à rua para votar em massa. Se se vai ou não conseguir introduzir o voto nas urnas dependerá de até onde o governo espanhol esteja decidido a ir para deter o processo. O jogo sujo não estará fora que questão mas, a longo prazo, não seria do interesse do Estado ir por esse caminho. As medidas de força, mesmo sob a capa da legalidade, poderiam perturbar a votação, mas também poderiam dar aos catalães um bom motivo para escolher a via mais rápida para a independência. Em qualquer dos casos, ficam a ganhar: se efetuar um referendo é um ato de democracia, fazê-lo contra a vontade do Estado é um ato de soberania.
Seja qual for o resultado, os termos do debate político em Espanha ficarão definidos pelos acontecimentos do dia 1 de outubro. Pelo simples facto de ir às urnas, os catalães terão afirmado os seus direitos coletivos como povo. Ao negar esses direitos, o governo espanhol pode colocar-se numa posição insustentável: não está disposto a um entendimento mas é inapto para impor a força a longo prazo. Ironicamente, ao tentar impedir a democracia pode tornar a soberania numa opção real.
(Tradução de Umbelina Sousa a partir do original inglês)